Derramou-se leite? Então derrame-se mais

terça-feira, 23 de junho de 2009

 

Como é do conhecimento público, recentemente o governo propôs (ou já foi aprovada, não sei, não me entendo) a extensão da escolaridade obrigatória para um período de 12 anos. Esta medida recebeu várias críticas pertinentes, embora alguns partidos da oposição tenham (surpreendentemente) aplaudido a acção, fazendo notar, todavia, que se tratava, provavelmente, de uma jogada eleitoralista - suposição que é, muito provavelmente, verdadeira.

Diz-se que este aumento da escolaridade obrigatória não mais é que uma manobra para melhorar as estatísticas, que põe em causa a qualidade do Ensino Secundário, que é ineficaz para atingir uma melhor formação dos alunos, e que mantém na escola pessoas que já deviam ter saído dela. Todas estas críticas - especialmente as duas últimas - são válidas. Concordo com todas.

Infelizmente, nenhuma delas vai suficientemente longe. Embora válidas, são também superficiais. O verdadeiro problema parece estar a escapar a toda a gente - o que é grave, visto que é o que mais necessita de uma solução.


As crianças são naturalmente curiosas. Não conheço ninguém que negasse tal afirmação - e por bons motivos: qualquer pessoa que tenha tido contacto com crianças sabe que elas fazem uma grande quantidade de perguntas sobre coisas que não conhecem. Também é, pelo que sei, consensual que esta atitude é saudável e bem-intencionada, e é óbvio que, se encorajada, pode levar a grandes aprendizagens e - presumindo que não há complicações pelo caminho - ao desenvolvimento pleno da criança.


Se encorajada.

E o problema é que não é encorajada. Pior, é desprezada e repisada, por intermédio de programas que tencionam definir exactamente aquilo que deve ser aprendido.

O actual sistema escolar assume, erradamente, que todos os jovens podem e devem aprender as mesmas coisas, da mesma maneira, ao mesmo ritmo e no mesmo lugar. Não sei quem teve esta ideia, mas diria que tem um QI abaixo de 10, pois este pressuposto é totalmente absurdo e qualquer pessoa que tenha tido contacto com jovens sabe isso. O resultado da aplicação deste tipo de princípios é que, previsivelmente, a vasta maioria dos "alunos" falha miseravelmente na escola.


Outro problema da escola é a sua tentativa de quantizar as capacidades e evolução dos jovens - algo que falha miseravelmente porque as características das pessoas são demasiado complexas para serem descritas por meia dúzia de números numa escala que só admite até 21 valores diferentes (e que se pretende aplicar a milhares de pessoas!). A piorar este problema está o facto de a escola só valorizar uma fracção ínfima das características da pessoa. Isto leva a que pessoas perfeitamente capazes sejam descartadas pelo sistema escolar por não possuírem as características que este último exige.


Como se tudo isto não fosse já suficiente, temos ainda o facto de que uma grande quantidade das "aprendizagens" feitas na escola são completamente inúteis na vida futura dos alunos (quem é que, aos 30 anos, se lembra de sequer um quinto do que "aprendeu" na escola?). Ou seja, todo o esforço que eles fazem (e não é pouco) ao longo de doze anos (segundo a nova proposta) é em vão. Isto é alarmante tendo em conta que a escola ocupa a maior parte do tempo daqueles que a frequentam.


Tudo isto é grave, mas se não fosse um pequeno factor, não seria nem de perto tão grave.

O factor chama-se - como o leitor provavelmente já terá adivinhado - escolaridade obrigatória.

Sim, leu bem. Os jovens a partir dos 6 anos são forçados a frequentar o erro crasso chamado "escola", acima descrito.

Uma coisa é cometer um erro. Outra é fazer com que toda a gente sofra as consequências. Estamos em presença da última situação.


Uma das justificações apresentadas para a existência da escolaridade obrigatória é a seguinte: é do interesse da sociedade evitar que se formem sociedades paralelas baseadas em convicções filosóficas alternativas e integrar as minorias na sociedade (fonte fraquinha, mas é o que há) . Soa bem, não soa?

Talvez soe. Mas a verdade é que se trata de uma desculpa patética. A expressão sociedades paralelas não tem significado, pois todos os grupos de pessoas interagem uns com os outros, inevitavelmente; para além de que o termo "paralelo" tem uma conotação marcadamente (e injustificadamente) negativa, como em "economia paralela".

Depois, é notória a intolerância demonstrada pelo autor desta frase, ao classificar todas as convicções minoritárias como perigosas. Este tipo de pensamento era bastante comum em membros do Partido Nazi. E eu que pensava que já estava extinto.

Por fim, a "integração" mencionada cheira a esturro. Quando o autor da frase se refere às minorias de uma forma tão negativa, é impossível ter confiança nele. Penso que um termo mais adequado seria "lavagem ao cérebro".


Mencionei atrás que a escola desperdiça muito do tempo daqueles que a frequentam. Isto seria praticamente irrelevante, não fosse a escolaridade obrigatória. Graças a esta, todos os jovens a partir dos 6 anos vêem o seu precioso tempo (e o tempo da juventude é particularmente precioso) gasto da forma mais fútil possível, durante um tempo variável que, hoje, é de 9 anos em Portugal. De facto, dado que a escola exige que o aluno se encontre no seu terreno durante muitas horas por dia, a escolaridade obrigatória assemelha-se a uma sentença prisional em part-time.

Quase uma década gasta em vão.

Infelizmente, as crianças que entram na escola não têm, geralmente, a capacidade de se aperceberem desta situação. Quando o conseguem fazer (se chegam a fazê-lo, o que é raro), tipicamente, já os estragos são monumentais.


Outra justificação utilizada para a escolaridade obrigatória é a seguinte: o jovem tem o dever de aprender e nada mais. Nada mais errado. A aprendizagem e a educação não devem excluir tudo o resto, sob quaisquer circunstâncias - pois toda a aprendizagem do mundo é inútil se não puder ser utilizada!


Apesar de tudo o que já disse, o que mais me indigna na escolaridade obrigatória é o desrespeito atroz perante a liberdade e independência dos jovens (e que é patente em muitas outras leis). O jovem que queira aprender a sério algo que não esteja coberto num programa escolar, aquele que prefira crescer de outra forma que não a imposta pelo estado, ou, até, aquele que queira trabalhar para ter uma vida independente sem ter que esperar anos e anos apenas por causa de uma restrição arbitrária (desejo que seria, provavelmente, tomado como absurdo), não tem opções. Está aprisionado, e para libertar-se, ou espera ou toma medidas drásticas.


Desde que penso sobre o assunto que se tornou claro, para mim, que a escolaridade obrigatória está a causar males incontáveis à juventude de Portugal e do mundo. Está a transformar algo nobre, importante e valioso - a educação e a aprendizaem - numa obrigação, numa sobrecarga que deve ser temporária. Quando isto acontece, é sinal de que alguma coisa está muito, muito mal.

Por isso, concluo dizendo que estou horrorizado com esta proposta extensão da escolaridade obrigatória. Já era um problema gravíssimo, e, ainda assim, tenciona-se agravá-lo. E não é só em Portugal.

Temo verdadeiramente pelo futuro da juventude.

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